quinta-feira, 30 de março de 2017

O Navio Negreiro

                                                O Navio Negreiro ( Castro Alves)

                                
O Navio Negreiro

I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai?  Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz!  Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz!  Albatroz! dá-me estas asas. 
II

Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ... 
III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! 
IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
          Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
          E ri-se Satanás!...  
V

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?   Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ... 
VI

Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!


                                          Resultado de imagem para castro alves imagem

Castro Alves foi um praticante, entre muitos outros, da poesia libertária que se associaria para sempre ao seu nome. Alguns de seus contemporâneos gozaram de mais fama que ele, naquele momento. Mas a permanência de sua poesia – em comparação com outros, que foram esquecidos – comprova não apenas a qualidade de seus versos, mas também a força de seu apelo político. 
Seu nome é o mais lembrado quando se trata de exemplificar a poesia condoreira no Brasil. A imagem que inspirou a denominação da tendência é bastante adequada: o condor é uma ave exuberante na elegância de seu voo e na altura que alcança, que lhe confere liberdade e a sensação de superação dos limites estabelecidos. O último aspecto conduz a um desejo de extravasamento, enquanto a busca da liberdade leva à produção de uma arte participativa, de temática social explícita. Além disso, a referida exuberância é traduzida nas imagens exageradas que povoam a poesia dessa tendência.
As principais polêmicas de que participa a poesia de Castro Alves dizem respeito a discussões mantidas na época: a luta pela abolição da escravatura, a difusão das ideias republicanas e as questões referentes à participação brasileira na Guerra do Paraguai. O tom dos debates gerados por esses assuntos é reproduzido nos vocativos, que criam um clima de expansão vocal, aproximando o poema do discurso político de praça pública. A linguagem pomposa usada pelo poeta é a base do arrebatamento que ele costumava provocar nos auditórios que o ouviam, formados, principalmente, por estudantes. 
O compromisso do poeta com causas sociais não era estranho ao romantismo. Surgido na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, o movimento romântico logo se identificou com os ideais libertários dos revolucionários franceses de 1789. O espírito de revolta é uma marca de nascença. Em Castro Alves, esse espírito se manifesta tanto na oposição do indivíduo aos costumes sociais que ele combate, quanto na sua capacidade de se colocar como representante de uma voz que busca a transformação.

Sobre o autor
Nascido na Bahia, Castro Alves cursou Direito em São Paulo, entrando em contato com o romantismo byroniano dos jovens estudantes locais. O poeta inglês Byron, além de ter inspirado toda uma geração de escritores sentimentais, também exerceu grande influência na postura combativa e libertária, faceta da qual Castro Alves é o principal representante entre nós. 
Importância do livro



O poema O navio negreiro é um texto fundamental do romantismo brasileiro. Trata-se de uma das grandes justificativas para a qualificação que acompanha Castro Alves até hoje: “o poeta dos escravos”. Os poemas presentes nesta seleção confirmam esse apelido. E “A Cachoeira de Paulo Afonso” mostra que havia lugar para o sentimentalismo na poesia de caráter abolicionista. 
Período histórico



O romantismo foi um movimento artístico amplo o suficiente para não ser limitado a uma faceta sentimental e idealizadora, que acabou se tornando sua porção mais conhecida. Muitos representantes da escola romântica, como Castro Alves, estiveram envolvidos com grandes questões históricas, transformando seus versos em veículos de transmissão de suas ideias.



quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Expressões idiomáticas

Expressões idiomáticas

Uma expressão idiomática ocorre quando um termo ou frase assume significado diferente daquele que as palavras teriam isoladamente. Assim, a interpretação é captada globalmente, sem necessidade da compreensão de cada uma das partes. Usamos expressões idiomáticas a todo instante. Elas se encontram no linguajar diário, no noticiário da televisão, em anúncios dos jornais, no rádio, na tv, em discursos políticos, campanhas eleitorais, em filmes, em letras de música, na literatura, etc.
O uso de expressões idiomáticas não se restringe a um aspecto específico da nossa vida, nem a uma determinada camada social. As expressões idiomáticas são uma parte importante da comunicação informal, tanto escrita como falada, e também são usadas frequentemente no discurso e na correspondência formal. Tudo que se pode expressar usando expressões idiomáticas pode também ser transmitido por meio de frases convencionais.
O motivo que leva um falante ou um escritor a usar expressões idiomáticas é o desejo de acrescentar à  mensagem algo que a linguagem convencional não poderia suprir. Uma expressão idiomática pode enriquecer uma frase, dando-lhe força ou sutileza, pode enfatizar a intensidade dos sentimentos de alguém e pode ainda atenuar o impacto de uma declaração austera, com humor ou ironia. O uso que um falante faz das expressões idiomáticas determina o seu grau de domínio da língua, possibilitando-o expressar-se de muitas maneiras.
Aqui vão alguns exemplos:
Acabar em pizzaQuando uma situação não resolvida acaba encerrada (especialmente em casos de corrupção, quando ninguém é punido).
Acertar na moscaAcertar precisamente.
Acertar na lata (ou na mosca)Acertar com precisão, adivinhar de primeira.
A céu abertoAo ar livre.
Achar (procurar) chifre em cabeça de cavaloProcurar problemas onde no existem.
A dar com pauEm grande quantidade.
Advogado do diaboPessoa que defende aquele que não é digno de defesa.
Agarrar com unhas e dentesAgir de forma extrema para não perder algo ou alguém.
Água que passarinho não bebePinga, bebida alcoólica.
Amarrar o burroFicar em descanso, folgar, repousar.
Amigo da onçaFalso amigo, amigo interesseiro ou traidor.
Andar na linhaEstar elegante ou agir corretamente (ver também "perder a linha").
Andar nas nuvensEstar desatento, distraído.
Ao deus daráAbandonado, sem rumo.
Ao pé da letraLiteralmente.
Aos trancos e barrancosDe forma atabalhoada, desajeitada, improvisada.
Armado até os dentesExageradamente armado, preparado para uma situação.
Armar um barracoCriar confusão em público, discutindo ou brigando com alguém.
Arrancar os cabelosEntrar em desespero.
Arrastar as asas (para alguém)Enamorar-se, insinuar-se romanticamente para alguém.
Arregaçar as mangasDar início a um trabalho ou atividade.
Arroz de festaPessoa que vai a todas as festas e eventos.
Arrumar sarna para se coçarProcurar por problemas.
Até debaixo d'águaEm todas as circunstâncias.
Babar ovoPuxar-saco, idolatrar incondicionalmente.
Banho de água friaRomper as expectativas de alguém. Decepcionar, desiludir.
Banho de gatoLavar superficialmente as partes do corpo.
Barata tontaPerdido, desorientado, sem saber o que fazer.
Bate e voltaIr e voltar a algum evento ou lugar rapidamente.
Bater as botasFalecer.
Bater na mesma teclaInsistir demais no mesmo assunto.
Bater papoConversar (informalmente).
Referência http://www.soportugues.com.br/secoes/expressoesIdiomaticas/